Sobre sombras, esquizofrenia social, a cultura da nostalgia sintética e o ano de 2016

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Apesar de aparentemente ter saído de algum filme de Quentin Tarantino, a imagem acima foi a captura em câmeras da morte do embaixador russo Andrei Karlov.

Talvez nos últimos dias tenha sido o que mais me gerou desconforto.
Não digo isso pelo fato em si, porém, mais especificamente pelas pessoas que nos cercam.
Muitos alegaram medo (e não me retiro de forma alguma dessa camada). Vivemos uma espécie de esquizofrenia social exacerbada pelos meios de comunicação. Quer uma prova contundente? pesquise no Facebook de amigos sobre o suposto medo implantado a respeito do ocorrido na foto, e, logo em seguida, muito provavelmente você subirá a página e encontrará fotos sorridentes, memes, fotos de viagens e tudo mais de uma vida normal, postadas pela própria pessoa em minutos ou horas depois.

Segue: ”2 de agosto: a Alemanha declarou guerra à Rússia. De tarde fui nadar”
Apesar de parecer ter saído também de postagens das redes sociais, os dizeres acima são de Franz Kafka, em seu diário, há aproximadamente uma centena de anos.

O que muda, de fato, então?
Muito pouco no conteúdo intrínseco do medo em si. Realmente, nos preocupamos, mas nem só de preocupações é formada a vida. O problema se insere justamente no fato do bombardeamento de informações ser imenso a ponto de a preocupação, a felicidade, as fotos de bons momentos e todas as desgraças possíveis dividirem um espaço e sentimentos que beiram a esquizofrenia.
O terrorismo divide espaço com as receitas da ceia de natal, que divide espaço com a desigualdade social, que divide espaço com promoções dos pacotes de viagens, que divide a lembrança de que viajar no momento é perigoso, por causa do terrorismo do início.

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Estamos, de fato, adoecendo.

Consumo não é lei, mas agimos como se fosse. Nos tornamos escravos do sanguinário e vingativo Deus do Dinheiro. Tristeza? consuma. Felicidade? ora, consuma também. Independente de como se sentir, consuma. ”Vivemos em um mundo capitalista!” assumem os mais idiotas e menos céticos. Os coitados ergueram os braços para as algemas de cifrão.
A lavagem cerebral é verde e tem sonoplastia de moeda.

Números? não só de dinheiro. Os histriônicos amam likes.
A letra de Eminence Front do álbum It’s Hard, da banda The Who, permanece totalmente atual. Fazemos de tudo, mas nos esquecemos, e, principalmente, nos escondemos.

Algo que é óbvio, claro. Se trabalhamos tanto (ou fingimos trabalhar), se nos divertimos tanto (ou fingimos nos divertir), se nos chocamos tanto ou temos tanto medo, é realmente óbvio que não temos tempo para olhar para o nosso interior. Nosso conteúdo inconsciente efervesce enquanto nos ocupamos ou fingimos nos ocupar. Seria isso intencional?
Temos medo de nós mesmos, afinal? Estamos nos escondendo do autoconhecimento por medo?
Afirmo saber de muita gente que não se conhece e nem quer.
É mais fácil fazer de tudo e no final dizer que esse não era você, não é mesmo?
Falha grave de caráter, que muitos preferem forjar enquanto se tornam Workaholics. Inconsciente é para quem tem coragem. Quem tem medo e covardia não se conhece e nem irá enquanto assim permanecer.
A única coisa que pode te defender de você mesmo é se ocupar.

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Nadamos no mar da psicose. Estamos cada dia mais individualistas. Esquecemos que em nossa evolução nós somos o que somos por sermos animais sociais, comunicativos e coletivos.

O vizinho, porém, se tornou meu inimigo. Escondido em minha muralha de pedras, com meu portão de aço resistente e inserido no Feudo de concreto governado provavelmente pelo psicopata mais sedento por poder, me sinto seguro.

A corte dos doentes pelo poder impede que os artistas atuem e que a cidade se encha de luz e cores. Graffiti ainda é uma arte marginalizada. Rap é coisa de vagabundo. A Gentileza toma logo o cinza como referência. E então apaga-se com o carbono da fumaça.

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A poluição sonora das cidades deixa qualquer animal louco. Alegamos, porém, que não nos prejudica tanto. Como saber o que prejudica ou não se fomos nascidos e criados no cativeiro?

A poesia sai e entra o antipsicótico. O teatro desaparece e entra o antidepressivo. Lítio se torna mais importante do que o amor verdadeiro.

Toma-se mais Rivotril no Brasil do que no resto do mundo. Já leram a tarja preta de um Rivotril? Recomendo.

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E falando-se de amor, tememos o que? Temos cada dia mais medo de não sermos correspondidos. Não nos declaramos e não falamos a respeito de um dos sentimentos mais intensos e belos que poderiam banhar a nossa biologia.
Será que por fim não somos medrosos egocêntricos?

E falando de egocentrismo, é claro, é sempre válido lembrar que aquele que diz que ninguém o ama, na verdade é um dos mais egocêntricos, pois, em sua cabeça, as pessoas deveriam ama-lo. Loucura.

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Temos medo do que não vivemos, e nostalgia também.
Nunca vivi a era do psicodélico e do progressivo. Innerspeaker da banda Tame Impala, porém, lançado em 2010, me fez ter a sensação de que eu era dessa época.
A acidez foi também revivida com o álbum Lonerism, lançado em 2012.
Talvez cansado disso e como qualquer virada cultural, vivi a era dos sintetizadores e do disco, vindos com o Currents, em 2015.
Noto, porém, que tudo isso se deu de forma muito rápida. O músico e produtor Kevin Parker teve a sua virada de décadas de música em cinco anos.
O Revival que Tame Impala deu no progressivo, na psicodelia e no disco me é totalmente agradável, mas ao mesmo tempo permanece confuso. O resumo de vinte ou trinta anos em apenas cinco, com diferenças características na sonoridade e influências totalmente diferenciadas é impressionante, mas parando para pensar, o que estamos vivendo?

Reviver influências culturais de anos atrás significa o que exatamente?
Estaríamos nesse momento histórico tão confusos a ponto de termos a necessidade de recorrer no que já se passou para darmos completude àquilo que gostaríamos?
A saudade de algo que não foi vivido seria normal?

Nossa identidade é múltipla, e ao mesmo tempo nenhuma. Teria o fruto da psicodelia se esgotado, ou ainda há o que destilar entre cartelas de LSD no meio disso tudo? Seria o recomeço da contracultura em meio a tanto medo e tensão?

Se prestou atenção em tudo até agora, talvez tenha notado que eu estou tão confuso quanto você, e escrever um texto a respeito de confusão quando você está totalmente confuso não é uma tarefa fácil.

Enquanto a confusão paira e a Modernidade Líquida nos faz flutuar não há muito o que fazer. É interessante, no entanto, não estar parado enquanto tudo gira.

Informe-se, mas não em excesso. Tenha seus medos e inseguranças. É melhor do que certezas, pois, caso não tenha notado, ainda não sabemos de absolutamente nada e fingimos saber. Viver na dúvida, no momento, é melhor do que viver na certeza.

Se conheça. Navegue pelo inconsciente e entenda o que você mesmo pede. De arrependimentos já bastam os que não escolhemos. A melhor conversa a qualquer momento é com você mesmo, afinal, foi quem se guiou até agora e guiará pelo amanhã. Esconder-se menos atrás de preocupações das quais fogem o seu controle é algo mais do que aconselhável.

Corra atrás do Self. Volte a ser o que sempre foi, absorvendo-se da confusão e do desconforto.

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No ponto de vista geral, parece tudo confuso. Talvez isso se valha dos nossos tempos mundanos no momento. O pós-modernismo me defende de qualquer um de seus ataques a respeito de um texto igualmente confuso tanto como a nossa existência atualmente. Será?
Finjam talvez entrar na confusão que na verdade já se encontram. É mais fácil dar conta do confuso quando você entende que já não possui o controle de absolutamente nada.

Se ao menos um desconforto fui capaz de lhe causar durante a leitura do texto, já cumpri a minha missão, que é tão confusa quanto a proposta.

Meu trabalho em te confundir acredito que tenha sido feito com maestria. Agora é seu turno.

De arrependimentos já basta Ivan Ilitch. Mova-se.

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2 comentários sobre “Sobre sombras, esquizofrenia social, a cultura da nostalgia sintética e o ano de 2016

  1. Solipsist disse:

    eu discordo, pois me sinto forçado pela sociedade a mudar e me tornar individualista reprimindo meu self e minha sombra. toda vez que quero ser eu mesmo e viver a vida intensamente acabei repreendido de maneira severa, a qual nao quero contar aqui. eu me vejo como um prisioneiro nesse mundo, e um prisioneiro nunca poderá ser o que ele realmente é, pois vive numa prisão, e essa prisão é a qual vivo. creio que esse papo de psicologia jung individualidade sirva pras pessoas bem sucedidas, das elites, pessoas que se dão bem na vida. feministas etc não um prisioneiro como eu, que vive uma vida miseravel. a unica coisa que posso pensar é como tenho aversão a tudo que o ser humano é.

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