A História Universal da Humanidade Está Dentro de Você, Nas Profundezas da Psique

 

O símbolo da suástica apareceu em várias culturas que nunca se encontraram. As parcas, as três mulheres que tecem o fio da vida, apareceram em várias sociedades que nunca se encontraram, assim como as sereias, os demônios, as divindades da ordem e do caos. A árvore que emerge do centro do cosmos apareceu em várias culturas (esse exemplo, na verdade, aparece em quase todas, é assustador) que nunca se encontraram, como a árvore da ciência do bem e do mal da bíblia, a Yggdrasil da mitologia nórdica, a Xilbalba da mitologia maia ou a Árvore da Vida da Cabala. O que está acontecendo?

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Em 1906, o Psiquiatra Carl Gustav Jung (talvez o maior, porém esquecido, pensador da psicanálise, superando Freud) trabalhava no Hospital Burgholzli, em Zurique. Certo dia, um de seus pacientes lhe chamou atenção para um fenômeno que ocorria no céu, além do vidro da janela do hospital. O paciente disse que o sol estava com um pênis. Um longo e magistral pênis que partia da esfera dourada do sol e se pendulava pelo anil do céu. O paciente sofria de esquizofrenia, então era um paranoico com manifestações psicóticas. Jung lhe deu atenção e o paciente continuou, dizendo que não era somente isso que acontecia no céu. Quando ele balançava a cabeça em movimentos pendulares, o pênis também balançava em ressonância e, assim, produzia-se vento! Jung achou aquilo interessante e, sabe-se lá o porque, anotou as palavras ditas pelo louco. O paciente, que era pobre, analfabeto e ex-morador de rua morreu algum tempo depois. Em 1910, não mais em Zurique, Carl Gustav Jung, por culpa de seu interesse imortal por mitologia, lia um manuscrito, que havia acabado de ser traduzido do Grego, sobre um ritual de iniciação do Deus Mitra. O texto era recém descoberto, vindo de volta à vida depois de ser encontrado se deteriorando diante do tempo. Ao lê-lo, Jung teve a sensação de já ter lido algo parecido. O ritual consistia no seguinte, o iniciado deveria ficar de pé de frente para o sol e olhar para o astro com total atenção até ver um cilindro saindo dele. Ao ver, o iniciado deveria fazer movimentos pendulares com a cabeça para que o cilindro o acompanhasse, a fim de produzir vento. Jung então se lembrou do que havia anotado. Não havia como o paciente ter tido acesso a aquele documento, porque o manuscrito havia sido recém traduzido, além disso, ainda que tivesse sido traduzido antes, como disse, o paciente era analfabeto, pobre, sem acesso a esse tipo de literatura.
Seja de modo monoteísta, politeísta, animista, panteísta ou panenteísta, o sagrado é uma noção que surgiu de maneira espontânea em, pelos relatos antropológicos até agora, todas as culturas, sendo que várias delas que nunca se encontraram. Da mesma forma, diversas outras questões, que também permeiam a humanidade em um eterno retorno, podem ser verificadas, como o amor que dá abertura às paixões do corpo, a vontade de poder que inspira o curso caótico da história e a noção de bem e de mal (ou de certo e errado, de moral e imoral) que possibilita o julgamento. Todas essas questões não parecem estar atreladas a uma questão temporal, cunhada pela cultura, que podem ser reduzidas a pó na trajetória secreta do tempo, não, essas questões estão presente no mais novo sucesso de literatura fantástica, como Crônicas de Gelo e Fogo, e na Ilíada de Homero, o épico Grego datado de VIII a.C. O que está acontecendo aqui? Podemos intuir que determinadas questões da humanidade pressupõem a existência de uma instância psíquica a priori do qual todas as outras formas de pensar e de agir são derivativas, ou seja, existe uma parte da mente que é de caráter objetivo, que dizer respeito ao ser humano enquanto espécie, enquanto dotado de características que são compartilhadas pelos de Homo Sapiens. Assim como as aranhas podem fazer teias sem aprender com nenhum de seus ancestrais -fazem isso por intuição -o ser humano parece ser capaz de, como dito anteriormente, experimentar o sagrado, embeber-se de amores, poder e julgamentos. Podemos chamar isso de natureza humana.
Jung, depois do episódio no hospital, percebeu que assim como a história que se repetia na mitologia e nas palavras paranoicas de seu paciente, a maioria esmagadora dos mitos também se repetiam dentro das diversas vertentes mitológicas da história da humanidade. Eram como se aquelas histórias fossem universais, atemporais. Jung, então, pressupôs um modelo teórico no qual havia uma parte do inconsciente que não dizia respeito à história do ser enquanto indivíduo, mas do ser enquanto espécie, enquanto ser humano. Uma parte do inconsciente que era dotado de moldes, de formas objetivas do qual toda a história particular -individual, subjetiva -era, de certa forma, uma resultante. Esse modelo, Jung chamou de Inconsciente Coletivo.

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Na prática, as duas vertentes do Inconsciente cunhadas pelo Jung -Inconsciente Pessoal e Inconsciente Coletivo -acontecem juntas, mas, por questões didáticas, ele as dividiu. Então, para trabalhar melhor a teoria do Inconsciente, vou explicar de maneira mais detalhadas essas duas instâncias teóricas. Como foi dito, o Inconsciente Coletivo diz respeito à espécie, o que há de atemporal, diz respeito ao Homo Sapiens. O Inconsciente Pessoal, por oposição, diz respeito ao temporal, ao que é individual, diz respeito a história psíquica pessoal do sujeito. Então, para ilustrar, quando olhamos para uma pessoa e vemos nela a impessoalidade das características da natureza humana, dizemos que isso é inconsciente coletivo. Quando vemos características que dizem respeito ao que é a personalidade do sujeito, o que faz a pessoa “X” ser a pessoa “X”, dizemos que isso é inconsciente pessoal.
O conteúdo do Inconsciente Coletivo, Jung chamou de arquétipo (Arché – primeiro, primordial; Tipo – tipologia; ou seja, tipo primeiro, tipo primordial), que seriam essas formas objetivas a serem preenchidas pela subjetividade da história individual do sujeito. Então, podemos entender a relação entre história pessoal e arquétipo da seguinte forma: pense em um cristal.

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O cristal tem uma forma axial, arquetípica, que lhe dá molde, ou seja, essa forma de prisma do cristal ao ser preenchido por um líquido mãe constitutivo possibilita chamarmos o cristal de cristal. É como o reconhecemos. Então, a forma do cristal, seu molde, sua modelação prismática, não existe em uma instância material, concreta, mas apenas abstrata. Apesar disso, é essa questão abstrata que dará forma ao cristal quando ele for preenchido pela substância material, tornando-se, de fato, um cristal. Alguns cristais serão maiores, outros menores, alguns serão mais largos, outros mais estreitos, alguns terão mais faces, outros terão menos, mas, no fim, todos são, como observado, cristais! Então, o arquétipo (o conteúdo do inconsciente coletivo) seria como essa forma abstrata e a matéria a preencher o cristal seria a subjetividade, a história do indivíduo, do sujeito (conteúdo do inconsciente pessoal). E quando juntos, -Arquétipo e Subjetividade, que seria o modo particular de lidar com os Arquétipos -dá-se o nome de Imagem Arquetípica, que seria, na ilustração do exemplo, o cristal já formado. Dessa forma, só sabemos que existem Arquétipos pela sua manifestação concreta, que é a Imagem Arquetípica, mas o Arquétipo em si, não sabemos como é sua essência, porque sempre que observamos sua manifestação, já há a contaminação de conteúdos pessoais, mas podemos intuir sua existência por conta do que foi dito anteriormente. Então, voltando ao exemplo do divino, o ser humano sempre experimentou a ideia atemporal de sagrado (arquétipo), mas também sempre a experimentou de uma forma particular, subjetiva, cultural (conteúdo subjetivo), travestindo o sagrado de monoteísmo, politeísmo, animismo, panteísmo ou panenteísmo.

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Dessa forma, existe o arquétipo, que é absoluto, atemporal, mas sua manifestação (imagem arquetípica) tem uma plasticidade, ou seja, uma possibilidade de oscilar entre diversos modos de aparição, isso de acordo com o conteúdo subjetivo que preenche as formas arquetípicas. A maneira de lidar é diferente, subjetiva, mas a questão é a mesma, objetiva, arquetípica. Então, assim, começamos a entender o que a arte chama de questões atemporais do ser humano. Entendemos também a frase de Lucilio Vanini: “A história humana se repete; nada há, hoje, que não tenha sido; o que foi, será; mas tudo isso em geral, não em particular”. O ideal de tempo cíclico de 100 Anos de Solidão, dos textos bíblicos, do qual a história se repete, partem da mesma suposição intuitiva. Na bíblia, há uma famosa citação que diz, “Nada de novo debaixo do sol”. Sempre, como diz Lucilio, há algo de novo, mas as questões são as mesmas, são arquetípicas, fluem do mundo das ideias para a concretude e, assim, dão forma à vida.

Vou exemplificar. O homem grego procurava pela ambrosia, que era o alimento dos Deuses que transformava a alma mortal em imortal. Os alquimistas tentavam encontrar a pedra filosofal para que dela se extraísse o elixir da vida eterna. Os espanhóis, na época das grandes navegações, achavam que encontrariam no Novo Mundo (América) a fonte da juventude, para que eles pudessem se deleitar do viver a eternidade. E hoje, pesquisas mais recentes, afirmam que em um futuro próximo será possível fazer com que o ser humano viva para sempre, transferindo a mente de corpo. Então, uma mesma questão -a busca pela imortalidade para driblar a morte -que se repete na história universal da humanidade.
Outro exemplo, os Pré-Socráticos tentavam encontrar a Arché, que é o elemento do qual todos os outros são derivados, ou seja, a Arché é o princípio das coisas. A busca pela Arché é uma ideia arquetípica. Para Tales de Mileto, a Arché era a água, para Anaxímenes de Mileto, era o ar, para Xenófanes de Cólofon, era a terra, para Heráclito de Éfeso, era o fogo, para Pitágoras de Samos, era o número e para Demócrito, era o átomo. Bom, todos eram Gregos, então, isso é um tanto quanto ultrapassado, não é? Não, a história se repete, mas em geral, não em particular; ou seja, as grandes questões voltam à tona, mas nunca da mesma forma. Existe o arquétipo, que no caso é a ideia arquetípica de Arché, mas ela se manifesta de diversas formas, ou seja, a imagem arquetípica, que é a manifestação do arquétipo, acontece de diversas formas. Para Spinoza, Deus é a única substância do qual todas as outras são derivativas, para ele, a Arché é Deus. Karl Marx intuiu que a história da humanidade acontecia em razão das lutas de classe, para ele, a Arché da história é a luta de classes. Darwin achou que a história dos seres vivos acontece em razão da adaptabilidade, para ele, a Arché da ancestralidade é a adaptação. Nietzsche disse que todo o cosmos agia de acordo com às leis da vontade de potência, para ele, a Arché do universo é a vontade de potência. Freud intuiu, em um primeiro momento de sua teoria, que toda a realidade psíquica tinha relação com a sexualidade, para ele, a Arché do psiquismo é a sexualidade. Para alguns teóricos da física, tudo é formado por pequenas cordas que vibram, para eles, a Arché são as cordas. Para outros físicos, o Bóson de Higgs forma todas as outras possibilidades de matéria, para eles, o Bóson de Higgs é a própria Arché. Lembre-se de Lucilio Vanini: “A história humana se repete; nada há, hoje, que não tenha sido; o que foi, será; mas tudo isso em geral, não em particular”.

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Como adendo, gostaria de dizer que, embora Jung seja desconhecido do grande público, ele influenciou muitos artistas, como Stanley Kubrick, Herman Hesse, Thomas Pynchon, Ingmar Bergman, Federico Fellini, H.G. Wells, Allan Moore, Jorge Luís Borges, James Joyce. Por tabela, ele também acabou influenciado todo o sistema de produção hollywoodiano, já que o Joseph Campbell cunhou “A Jornada do Herói” baseado nas teorias de Jung. Lembrando que foi a  “Jornada do Herói” que deu a estrutura básica para o roteiro de Star Wars, um dos filmes mais influentes do século XX.

Então, esse foi o texto de uma série de textos que farei sobre Jung. O próximo será “Jung e Freud”. Já vou adiantando, os dois se conheceram e trabalharam por sete anos juntos. E parte das concepções da teoria Freudiana, na verdade, são do Jung, como o conceito de Complexo. Ah, só uma coisa, Jung, antes de conhecer Freud, já trabalhava com a teoria de inconsciente. Então, na realidade, quem descobriu o inconsciente, Freud ou o Jung? Nenhum dos dois, a teoria de inconsciente, que muitas vezes é atribuída ao Freud, já era conhecida da filosofia romântica. Só para adiantar, a briga entre os dois foi feia, mas ambos tinham uma relação muito forte. Depois da briga, quando Freud encontrava o Jung nas conferências sobre psicologia, Freud desmaiava. Haha. Enfim, até a próxima.

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